sexta-feira, 3 de abril de 2015

Geometria paulistana

Se um paulistano te convidar para conhecer o "TRIÂNGULO" não estranhe... Ele vai te levar para conhecer o centro histórico da cidade; ou como alguns autores denominam: o Núcleo Original.

Já comentei aqui os séculos que a cidade ficou isolada, sozinha no planalto, sem desenvolvimento... No século XVII a cidade servia de passagem: entrada de aventureiros e saída de conquistadores. SP bandeirante! Habitada principalmente por índios e portugueses. 

Nestes tempos, a cidade vivia confinada no Triângulo. Forma geométrica decorrente da ligação das três ordens religiosas presentes: Carmelitas, Franciscanos e Beneditinos. Cada uma delas, com sua igreja e seu convento. Mas e os Jesuítas? Designados fundadores da cidade, sua igreja e seu colégio é incorporado pelo triângulo.
Mapa esquemático do Núcleo Original. Montagem: @rslmagalhaes

Estrategicamente posicionado no topo mais alto entre as várzeas dos rios Tamanduateí e Anhangabaú - os dois preservam seus nomes de origem Tupi, e significam "rio de muitas voltas" e "rio dos malefícios" , respectivamente - o triângulo tinha visão privilegiada para o Leste, principal acesso á Vila. Caminho que fazia a comunicação com o mundo, vinda do Rio de Janeiro e posteriormente de Santos. E também inimigos, contrários à ocupação portuguesa nos moldes jesuítas.

Além do Leste, a saída Norte também era muito usada, principalmente pelas bandeiras, que avançavam para o interior:

Essa trilha cortava longitudinalmente a colina conhecida como Inhapuambuçu, onde os jesuítas se estabeleceram em 1554, e atingindo a parte mais ao norte da elevação se precipitava por uma íngreme encosta, deparando-se com o vale estreito e profundo do Ribeirão Anhangabaú (Rua Florêncio de Abreu). A partir daí, cortando o Guaré, seguia em frente até atingir a margem esquerda do Rio Tietê (Avenida Tiradentes). Do outro lado do rio, o caminho continuava em direção à Serra da Cantareira (Avenida Voluntários da Pátria), prosseguindo mais tarde para Bragança e sul de Minas (Rodovia Fernão Dias). Um trecho desse longo caminho era conhecido, portanto, como do Guaré, usado pelos indígenas planaltinos e pelos primeiros moradores de São Paulo de Piratininga. (CAMPOS, 2005, p.13)

E finalmente a última vértice, para Oeste, onde havia um aldeamento indígena que assegurava a passagem pelo Rio Pinheiros. 

A partir da segunda metade do século XIX, a vila começa a se expandir em direção à ferrovia. A ocupação na região da Estação da Luz, garantia o conforto do barões do café, que através da ferrovia comercializava suas sementes e outros produtos provenientes da Europa.
Pouco a pouco, as casas de taipa de pilão se transformam em belos sobrados, e posteriormente, as margens do centro, as chácaras com formosos casarões, desenhados com todos os elementos arquitetônicos que pudessem remeter a riqueza de seu dono, e construídos com os materiais importados trazidos pelas estradas de ferro, configuram essa cidade do café, nos moldes europeus.
Mapa esquemático da 1º Expansão urbana. Montagem: @rslmagalhaes


Os novos habitantes eram de todos os lugares do outro lado do Atlântico (veja post anterior), e a cidade fica pequena! O trânsito caótico, as áreas marginais, os problemas sanitários, obrigam os dirigentes a planejarem uma solução. O lado Oeste, pareceu ser o mais adequado para direcionar o crescimento da cidade. Podemos escrever uma tese sobre os motivos que levaram à esta escolha, mas não é o caso neste momento...

De qualquer forma, após anos de discussões; a inauguração do Viaduto do Chá (1892), do Teatro Municipal (1911), a execução do Plano de Melhoramentos de São Paulo e Bouvard (entre 1906 e 1917 - com algumas secções terminadas na década seguinte), finalmente o Centro Novo é incorporado pela cidade.

Agora com ideais republicanos, a ocupação do solo é mais ordenada - ruas mais largas, loteamento em tabuleiro - e espaços públicos reverenciando os grandes personagens da história - por exemplo: Praça do Patriarca José Bonifácio e R Barão de Itapetininga. 
Mapa esquemático da 2º Expansão urbana. Montagem: @rslmagalhaes


Sem esquecer dos novos bairros, mais adequados do ponto de vista sanitário: Paulista e Higienópolis são loteados, e os Barões / Industriais seguem rumo Sudoeste para construir suas ricas residencias e ostentar, mais uma vez, uma vida européia, longe do burburinho do Triângulo, agora limitado á vida comercial.

A partir da gestão Julio Prestes (1938 -1945), a expansão urbana confirma a lógica radial em direção Sudoeste, e a metrópole se configura através de grandes Avenidas, que cobrem os rios e rasgam o tecido urbano em direção a metropolização.

Mapa esquemático da lógica Radial de expansão. Montagem: @rslmagalhaes

Algumas delas:

OESTE
Av São João, Rua da Consolação, 

SUL
Av 23 de Maio, Av 9 de Julho, Av do Estado

LESTE
Av Alcantara Machado (Radial Leste), Av Rangel Pestana

NORTE
Av Cruzeiro do Sul, Av Tradentes



O Triangulo, fica esquecido... E se torna apenas o centro dessa nova geometria.


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Referências:

Publicações

1. DIAS, Vera Lucia. O tupi em São Paulo: vocabulário de nomes tupis nos bairros paulistanos. São Paulo: Plêiade, 2008. 
2. CAMPOS, Eudes. Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana. Anais do Museu Paulista. São Paulo.N. Sér. v.13. n.1.p. 11-57. jan. - jun. 2005.
3. PONCIANO, Levino. Bairros Paulistanos de A a Z. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001.
4. ROLNIK, Raquel. São Paulo. São Paulo: Publifolha, 2013. - (Folha Explica). 
5. SIMÕES JR, José Geraldo. Anhangabaú: história e urbanismo. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. 

sábado, 28 de março de 2015

De onde você é?

Talvez a crise realmente exista... Afinal depois de Balzac, fazer 30 anos é um momento de grande reflexão para as mulheres.
Comigo não foi diferente, mudei o rumo da minha vida radicalmente! E uma das perguntas que me fiz foi: de onde eu vim?
Parece bobo uma pessoa com 32 anos perguntar isso, mas saber minha origem familiar me pareceu uma boa forma de reescreve-la!
Não tive uma resposta completa, mas foi suficiente para o recomeço.

Para você, caro leitor que está interessado na cidade, e não em uma balzaquiana, digo que SP é fruto das mais variadas composições genéticas (e dos mais variados interesses). 

A cidade foi construída por bravos estrangeiros que escolheram a cidade para realizar seus sonhos, empreender e transformar a modesta aglomeração urbana em uma das maiores cidades do mundo!
Portugueses, africanos (de diversos lugares do continente), italianos, espanhóis, alemães, ingleses, brasileiros (de diversos lugares do país) deram origem ao paulistano e a cidade como ela é.

Isso (parece que) estamos carecas de saber, abaixo alguns exemplos dessa miscelânea cultural:

- GRANDE HOTEL (demolido)
Em 1878, um próspero imigrante alemão, o Sr Frederico Glete*, constrói um suntuoso empreendimento hoteleiro, que foi considerado por alguns viajantes como o melhor do Brasil!

* Frederico Glete e Vítor Nothmann, loteiam os bairros de Campos Elísios - o primeiro bairro com perfil residencial de elite.

- FUNDAÇÃO ESCOLA DE COMÉRCIO ÁLVARES PENTEADO - 1908
O café trouxe a necessidade dos conhecimentos contábeis, até então raros na cidade.
Fundada em 1902, a Escola Prática de Comércio, funcionava em salas cedidas pelo Sr Eduardo Prates (paulistano) na R São José (atual Líbero Badaró). A escola dirigida pelo Sr Horácio  Berlinck (florianopolitano), mudou de endereço em 1908, quando o conde Antônio de Álvares Leite Penteado (mogi-miriano) doou o terreno e construiu o Palácio do Comércio no local onde está até hoje.

FECAP - Lgo São Francisco. Foto: @rslmagalhaes

- EDIFÍCIO GUINLE - 1912/1916
Primeiro arranha céu da cidade, com 36 metros de altura, sua aprovação pelos órgãos competentes se deu após um extenso laudo técnico.
Serviu como filial da Guinle & Cia, empresa de uma família tradicional da elite financeira e social carioca.

Ed Guinle - R Direita. Foto: @rslmagalhaes

- EDIFÍCIO MARTINELLI - 1924/1929
Empresário italiano, Giuseppe Martinelli investiu tudo que tinha para construir um sonho: o edifício mais alto da cidade - 130 metros. Na sua cobertura, temos uma visão panorâmica da cidade. 

Ed Martinelli. Foto: @rslmagalhaes

- CASA GODINHO - 1888/1924
Fundada em 1888 por um imigrante português chamado José Maria Godinho na Praça da Sé, sendo transferida para a o térreo do Edifício Sampaio Moreira, o segundo arranha céu da cidade (50 metros de altura), no ano de 1924, onde funciona até hoje. Em 2013, a mercearia foi declarada patrimônio cultural imaterial da cidade pelo Conpresp, sendo o primeiro estabelecimento comercial a receber este título na capital paulista.

- MAPPIN STORES - 1913/1919/1939 - 1999
Fundada em 1913 por ingleses, foi a loja de departamentos mais famosa da cidade. Muda-se para a Praça do Patriarca em 1919, com sua famosa Casa de Chá e seus elegantes desfiles vespertinos, frequentado pelas distintas senhoras do café. Acompanhando o desenvolvimento da cidade, em 1939 muda-se para um edifício em frente ao Teatro Municipal, por sinal um exemplo do estilo art déco praticado na cidade.
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Espero que estas (poucas) amostras, provoquem uma vontade imensa de colocar aquele tênis confortável, e buscar suas origens pela cidade!


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Referências:

Site
1. http://www.fecap.br/novoportal/institucional.php#.VRdTao7F-So
2. http://casagodinho.com.br/nossa-historia/
3. http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/12/10/mappin-faz-100-anos-relembre-a-historia-da-loja-de-departamentos.htm
Todos acessados em 28/03/2015.

Publicações
1. BASSANI, Jorge. São Paulo: Cidade e Arquitetura | Um guia. São Paulo: Francisco Maximiano Zorzete, 2014.
2. Dez Roteiros históricos a pé em São Paulo / Roney Cytrynowicz (org). São Paulo: Narrativa Um, 2007
3. PONCIANO, Levino. Bairros Paulistanos de A a Z. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Mais amor!

Lambe-Lambe. 
Disponível em: <http://lounge.obviousmag.org/lagar_de_ideias/2015/02/ha-pouco-lia-o-jornal.html>. Acesso em: 18/02/2015.

Nunca tinha prestado atenção nesta frase... De tanto ver os tais lambe-lambes nas ruas da cidade, não parei para pensar no sentido. São Paulo é assim, tem muito de tudo e tudo é muito comum.
Mas nem sempre foi assim!

A cidade ficou no ostracismo por mais de dois séculos, afinal poucos conseguiam vencer a subida da Serra do Mar. Muitos escritores descrevem os paulistanos como um "povo bronco": visitantes não eram bem vindos. Mas tudo isso muda com o café! Sem esquecer da abolição da escravatura, que favoreceu a imigração de várias etnias para o Estado.

O porto de Santos dava as boas vindas, e os trabalhadores subiam a serra nos trens da SPRailway. Funcionários da Hospedaria dos Imigrantes garantiam a estadia temporária das famílias, e o serviço incluía a distribuição destes trabalhadores para as fazendas do interior do Estado.
Porém, grande parte deles ficaram por aqui. 

E logo em seguida, os migrantes de outros estados chegaram em busca de novas oportunidades, fugindo da pobreza de suas cidades.

E assim São Paulo - a Metrópole - se formou: heterogênea. 
Pessoas de todas as naturalidades e nacionalidades formaram a maior cidade da América do Sul.
São quase 12 milhões de pessoas! 
Mais cade o amor?

A cidade desperta dois sentimentos distintos: o amor ou o ódio... Isso é o que eu escuto... Mas não concordo!
Acredito que temos que amar o lugar que moramos, que nos acolhe, que nos dá oportunidades de crescimento (cultural, profissional, pessoal)!
Como não amar o lugar onde se vive??? Como não amar o lugar que VOCÊ ESCOLHEU para viver???

Talvez a cidade continue "bronca", mas não precisa ser assim... Como fazer com que as pessoas se sintam pertencentes ao meio??? Porque quando nos sentimos parte do lugar, nós cuidamos, nós amamos!
Talvez com lambe-lambes... Talvez fazendo com que elas descubram os encantos da metrópole!

Afinal, amamos o que conhecemos, valorizamos o que gostamos... e assim, quem sabe, a cidade se torne civilizada.


*Civilidade = é o respeito pelas normas de convívio entre os membros duma sociedade organizada (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Civilidade>. Acesso em 18/04/2015).